“SEU NOME É HOJE”

AS CRIANÇAS DO PASSADO, DE HOJE E DO FUTURO

Autoria: Débora Príncipe
Legal

Referirmo-nos constantemente às crianças como o futuro. A criança é HOJE titular de direitos e cidadã do PRESENTE.

Como dizia a educadora, diplomata e feminista chilena, agraciada com o Nobel de Literatura de 1945 no seu poema, “Seu nome é hoje”.

A utilização intensiva das Tecnologias Digitais deixou igualmente de ser tema para o futuro, passando a ocupar os dias de HOJE. Longínquos foram os tempos em que o mundo virtual era tema de filmes de ficção cientifica como em “Neuromancer”, de William Gibson.

A Internet, e mais especificamente as redes sociais, são HOJE vitais para a aquisição de conhecimento e comunicação entre as pessoas, mudando alguns hábitos e criando outros, situação que foi ampliada em tempos de pandemia Covid-19. Fazemos cada vez mais atividades com recurso a dispositivos digitais conectados à Internet: estudar, conversar com amigos e familiares, fazer compras, ler, ver vídeos, jogar, etc. 

Não podemos negar que isto impulsionou o desenvolvimento socioeconómico e promoveu o bem-estar de todos. Mas existe sempre um catch…as crianças e adolescentes não têm consciência dos riscos e danos que podem resultar da recolha e do tratamento dos seus dados na Internet.

É frequente vermos crianças de tenra idade a usar smartphones, tablets e outros dispositivos IOT, às vezes mesmo antes de saberem andar ou falar. Aliás, os pais enaltecem a inteligência dos seus filhos em comparação à deles na mesma idade.

Plataformas como o Snapchat, TikTok, Instagram, Facebook, WhatsApp e YouTube para além de serem divertidos podem ser úteis. Mas como garantir o controlo sobre a privacidade e proteção dos dados das crianças? Esse é o grande desafio.

Todos aqueles serviços e aplicações recolhem e tratam dados pessoais das crianças, como nomes, fotografias, contactos, e-mail, morada, histórico, localização, dados relativos à saúde e outros dados “necessários” à interação com os serviços.

As crianças partilham-nos de forma voluntária, ingénua e inconsciente. Por outro lado as empresas armazenam cada vez mais informação sobre os seus clientes, geralmente com o objetivo de fornecer mais e melhores serviços, ou como forma de monitorizar a própria informação. Na maioria das vezes de forma ilícita.

No que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados, estipulam o Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD) e a Lei n.º 58/2019, de 08 de Agosto, que, “caso a criança tenha idade inferior a 13 anos, o tratamento só é lícito se o consentimento for dado pelos representantes legais desta, de preferência com recurso a meios de autenticação segura”.

Também a COPPA – Lei de Proteção à Privacidade da Criança na Internet, proíbe os websites de promoverem  informações sobre crianças menores de 13 anos sem permissão dos pais.

A CNPD – Comissão Nacional de Proteção de Dados defende que se deveria tomar por referência o critério fixado no Código Penal, quanto ao consentimento como causa de exclusão da ilicitude penal: 16 anos.

Mas se é verdade que a solução legal encontrada na legislação nacional está em contradição com o RGPD, também é certo que de uma forma generalizada, a idade de 13 anos é a idade digital adequada face à utilização da Internet desde pequeninos.

A escola tem um papel importante na formação das crianças quanto à sua privacidade e na contribuição para uma Internet mais segura. Mas, como em tudo na vida, são os pais ou os titulares das responsabilidades parentais que têm um papel fundamental: cabe-lhes advertir as crianças para os perigos que a utilização despiciente da internet comporta.

Defende e recomenda o Facebook que “Da mesma forma que explica ao seu filho que deve olhar para os dois lados da rua antes de a atravessar ou usar um capacete quando anda de bicicleta, deve ensiná-lo a refletir antes de fazer partilhas online ou aceitar um pedido de amizade de um estranho“.

Mas e quando são os próprios pais ou titulares das responsabilidades parentais a coloca-los em risco?

Sejamos sinceros, quantos de nós não partilhámos já nas redes socias ou mesmo com amigos as fotos ou vídeos dos primeiros passos dos nossos filhos, o primeiro aniversário, a entrada na escola, ou aquela foto mega fofa?! A esta necessidade de partilhar com o mundo estes momentos únicos chamamos de “sharenting” e apesar de todo o amor empreendido nesse gesto, importa alertar que viola o direito de privacidade da criança e pode trazer consequências sérias e perpétuas na vida da mesma.

Refere o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 25 de Junho de 2015 , relativamente a uma criança de 2 (dois) anos de idade que “…abster-se de divulgar fotografias ou informações que permitam identificar a filha nas redes sociais mostra-se adequada e proporcional à salvaguarda do direito à reserva da intimidade da vida privada e da proteção dos dados pessoais e, sobretudo, da segurança da menor no Ciberespaço”. “…é uma obrigação dos pais, tão natural quanto a de garantir o sustento, a saúde e a educação dos filhos e o respeito pelos demais direitos designadamente o direito à imagem e à reserva da vida privada (art.º 79.º e 80.º do CC). Na verdade, os filhos não são coisas ou objetos pertencentes aos pais e de que estes podem dispor a seu belo prazer.”

Cremos que a solução para uma melhor proteção e tratamento de dados de crianças e adolescentes possa estar na implementação de políticas mais firmes, em especial na aplicação de sanções e de uma ação coordenada e consciente dos que rodeiam e convivem diariamente com a criança: pais, titulares das responsabilidades parentais, escola, empresas e a própria sociedade, tendo sempre em conta os princípios basilares: da prossecução do melhor interesse da criança, da adequação dos serviços online à idade e desenvolvimento emocional das crianças, da transparência, e da minimização dos dados tratados, tudo aliado a uma segurança adequada nos dispositivos utilizados.

Não deixemos para o futuro o exercício de Direitos que são das crianças de HOJE.

“Somos culpados de muitos erros e muitas falhas, mas nosso pior crime é abandonar as crianças, desprezando a fonte da vida.

Muitas das coisas que precisamos podem esperar.

A criança não pode.

É exatamente agora que seus ossos estão se formando, seu sangue é produzido, e seus sentidos estão se desenvolvendo.

Para ela não podemos responder “Amanhã”.

Seu nome é hoje.”

Gabriela Mistral